sexta-feira, 18 de abril de 2008

Uma busca e um encontro

Herman Hesse (1877-1962), escritor alemão naturalizado suíço, é um dos principais nomes da literatura mundial. Entre suas obras, estão Demian (1919), O lobo da estepe (1927), Narciso e Goldmund (1930), O jogo das contas de vidro (1943), Viagem ao Oriente (1959). Em 1946, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Tendo viajado para a Índia, o contato com esta cultura acabou repercutindo em seus livros, que expressam todo o fascínio da sabedoria oriental. Sidarta, romance publicado em 1922, é um livro que aborda diretamente a cultura e filosofia hindu, apresentando e questionando doutrinas e buscando compreender o paradoxo essencial da unidade na multiplicidade da existência.

Sidarta é a história de uma busca e de um encontro. O menino Sidarta, nobre filho de brâmanes, é criado nas tradições e instruções religiosas para se tornar ele próprio um sacerdote, mas sua busca pelo essencial, pelo "caminho dos caminhos", leva-o a deixar a casa paterna e juntar-se aos samanas, grupo de peregrinos ascetas. Acompanhado do amigo Govinda, Sidarta dá início a uma vida de mortificação do corpo e aniquilamento do eu, por meio de práticas de jejum e meditação.

Úm único objetivo surgia diante de Sidarta; o objetivo de tornar-se vazio, vazio de sede, vazio de desejos, vazio de sonhos, vazio de alegria e de pesar. (p. 28)

Após três anos vivendo como um samana, Sidarta percebe que o caminho que vinha trilhando era apenas um modo de fugir de si mesmo e não de encontrar a sabedoria que buscava. No entanto, começa a desconfiar do próprio desejo de saber:

Gastei muito tempo e ainda não cheguei ao fim, para apenas aprender isto: que não se pode aprender nada! Acho eu que a tal coisa que chamamos "aprender" de fato não existe. Existe, sim, meu amigo, uma única sabedoria, que se acha em toda a parte. É o Átman, que está em mim e em ti e em qualquer criatura. E por isso começo a crer que o pior inimigo dessa sabedoria é a sede de saber, é a aprendizagem. (p. 34)

Embora duvidando de aprendizagem e ensinamentos, Sidarta parte, juntamente com Govinda, em direção a Gotama, o Buda, que, com sua doutrina, ensinava a compreender e superar o sofrimento.
Ao encontrar-se com Buda, Sidarta reconhece a presença de um ser realmente iluminado, e, no entanto, fortalece sua convicção de que não encontrará o que procura através de mestres e doutrinas. Descobre que o único caminho possível é voltar-se ao próprio eu, penetrando na essência de sua própria personalidade e de sua alma.

Era meu desejo conhecer o sentido e a essência do eu, para desprender-me dele e para superá-lo. Porém não pude superá-lo. Apenas logrei iludi-lo. Consegui, sim, fugir dele e furtar-me às suas vistas. Realmente, nada neste mundo preocupou-me tanto quanto esse eu, esse mistério de estar vivo, de ser um indivíduo, de achar-me separado e isolado de todos os demais, de ser Sidarta! E de coisa alguma sei menos do que sei quanto a mim, Sidarta! (p. 54)

A partir deste momento, Sidarta, agora sem Govinda, inicia uma vida mundana, despertando para o mundo físico e experimentando todos os apelos e aprendizagens dos sentidos. Torna-se comerciante rico e amante da cortesã Kamala. Entregando-se ao que antes considerava o mundo ilusório dos fenômenos, Sidarta vai envelhecendo e afastando-se de sua busca e de seu conhecimento anterior, até perder-se totalmente em desespero e sofrimento. A convivência entre os homens tolos transformou o próprio Sidarta no mais tolo dos homens.
O momento do novo despertar ocorre à beira de um rio e do suicídio.

Então chegara àquele extremo; perdera-se a tal ponto; andara tão alucinado, tão néscio que chegara a almejar a morte, permitindo que aquela ânsia, aquele desejo próprio de uma criança crescesse nele. Quisera encontrar sossego, ao exterminar o próprio corpo. O que todos os tormentos daqueles últimos tempos, todas as desilusões, todo o desespero não haviam conseguido fazer, produzia-se naquele instante, quando o Om penetrava na sua consciência: em meio a sua miséria e a seus equívocos, reconheceu-se a si mesmo. (p. 105)

Com a compreensão de que todo este sofrimento fora necessário para chegar aonde estava, Sidarta abandona novamente sua existência anterior, tornando-se um balseiro junto a Vasudeva, e começa a receber lições do rio. Aprende a escutar, a abaixar-se e procurar nas profundezas de si mesmo, a reconhecer a inexistência do tempo, a eternidade de cada instante e a unidade de todas as coisas em meio à multiplicidade da vida.
Outra grande lição, Sidarta aprende através de seu filho com Kamala. O apego e as preocupações de pai transformam-se em novo sofrimento, que Sidarta compreende como necessário para mais uma aprendizagem. Lembrando-se do pai e do modo como tinha abandonado sua casa para nunca mais voltar, toma consciência da circularidade da existência:

Tudo voltava, todos os sofrimentos que não tivessem encontrado uma solução final. Era preciso suportar sempre as mesmas aflições. (p. 154)

Mais uma vez, o rio é fonte de sabedoria, e Sidarta revê toda sua existência em suas águas, e sua voz e todo seu sofrimento juntam-se a milhares de outras vozes:

Tudo era uma e mesma coisa, tudo se entretecia, enredava-se, emaranhava-se mil vezes. E todo aquele conjunto, a soma das vozes, a totalidade das metas, das ânsias, dos sofrimentos, das delícias, todo o Bem e todo o Mal, esse conjunto era o mundo. Esse conjunto era o rio dos destinos, era a música da vida. (p. 158-9)

E então, incorporando-se na unidade, Sidarta encontra a iluminação:

Foi nessa hora que Sidarta cessou de lutar contra o Destino. Cessou de sofrer. No seu rosto florescia aquela serenidade de saber, à qual já não se opunha nenhuma vontade, que conhece a perfeição, que está de acordo com o rio dos acontecimentos e o curso da vida; a serenidade que torna suas as penas e as ditas de todos, entregue à corrente, pertencente à unidade. (p. 159)

O livro termina com um último reencontro entre Govinda e Sidarta, em que este compartilha aquela que considera a maior aprendizagem de todas: o amor.

Quanto a mim, as coisas podem ser mera aparência, neste caso, também eu sou aparência, e assim serão elas sempre meus iguais. Eis o que as tona para mim tão caras e venerandas: são como eu. Por isso posso amá-las. E com isso te comunico uma doutrina que te fará rir, ó Govinda: tenho para mim que o amor é o que há de mais importante no mundo. Analisar o mundo, explicá-lo, menosprezá-lo, talvez caiba aos grandes pensadores. Mas a mim interessa exclusivamente que eu seja capaz de amar o mundo, de não sentir desprezo por ele, de não odiar nem a ele nem a mim mesmo, de contemplar a ele, a mim, a todas as criaturas com amor, admiração e reverência. (p. 170)

Sidarta é a história de uma busca e de um encontro. A iluminação como realização plena do ser humano, em toda sua miséria e em toda sua grandeza, e a descoberta da sabedoria não como doutrina, mas como experiência viva. A salvação possível em encontrar o próprio caminho.
Um texto fascinante, uma história mágica e um autor por quem dificilmente um amante de literatura não se apaixona - Sidarta é uma grande inspiração para aqueles que buscam alguma coisa.


SIDARTA
AUTOR: HERMAN HESSE
TRADUÇÃO: HERBERT CARO
EDITORA: RECORD
DATA: 2006
NÚMERO DE PÁGINAS: 176

Um comentário:

Rosa Marques disse...

Concordo que Sidarta é uma inspiração para todo aquele que busca. E como estamos todos buscando, ouso dizer que ele é inspiração a todos nós... E para inspirar ainda mais, segue um trecho de Hesse, que tirei talvez de Demian ou do Jogo das Contas de Vidro, já não me lembro: "A trajetória de nossa vida pode parecer definitivamente marcada por certas situações. Nossa vida, entretanto, conserva sempre todas as possibilidades de mudança e conversão que estiverem ao nosso alcance. E tais possibilidades são tanto maiores, quanto mais abrigarmos, em nós de infância, de gratidão, de capacidade de amar."